Resíduos sólidos humanos estão presentes em mais da metade dos ninhos de aves em áreas costeiras protegidas, aponta estudo da Unifesp
Foram identificados materiais como plástico, vidro e tecidos nos ninhos analisados
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Um novo estudo liderado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) revela um dado alarmante: mais da metade dos ninhos de aves em áreas costeiras do estado do Rio de Janeiro, inclusive dentro de unidades de conservação ambiental, contêm resíduos sólidos de origem humana. A pesquisa, publicada na revista científica Marine Pollution Bulletin, identificou a presença de resíduos como plásticos, tecidos e vidros em 53,7% dos ninhos analisados.
Os cientistas analisaram 67 ninhos de 17 espécies diferentes de aves, localizados dentro e fora das Áreas de Proteção Ambiental (APAs) de Massambaba e Serra de Sapiatiba, na região dos Lagos (RJ). Em 10 dessas espécies, os ninhos apresentaram contaminação por resíduos sólidos. A espécie Pitangus sulphuratus (bem-te-vi) destacou-se negativamente, com 95% de seus ninhos contendo algum tipo de resíduo.
“Ficou evidente que os resíduos antropogênicos já são onipresentes, inclusive em áreas protegidas teoricamente menos impactadas pela ação humana”, alerta Ítalo Braga Castro, professor do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) - Campus Baixada Santista e coordenador da pesquisa.
Impactos ambientais e riscos à biodiversidade
Os resíduos identificados incluíam majoritariamente plásticos brancos e tecidos, com forte predominância da cor branca – um padrão que pode estar relacionado a fatores como seleção visual para acasalamento ou regulação térmica dos ovos. No entanto, a presença desses materiais traz riscos significativos, como aumento da exposição a toxinas, risco de ferimentos e prejuízos ao sucesso reprodutivo das aves.
Além disso, materiais potencialmente perigosos, como cacos de vidro, foram encontrados em contato direto com ovos – como no caso do quero-quero (Vanellus chilensis), espécie que apresentou cinco tipos diferentes de resíduos em seus ninhos.
(A) Ninho de Troglodytes musculus com resíduos; (B) Ninho com ovos de Vanellus chilensis e um pedaço de vidro; (C) Pedaço de saco plástico e tecido no ninho de Pitangus sulphuratus; e (D) plástico fragmentado no ninho de Athene cunicularia
Proteção insuficiente nas áreas de conservação
Contrariando expectativas, o estudo mostrou que não houve diferença estatisticamente significativa na presença de resíduos entre ninhos localizados dentro e fora das áreas protegidas. Fatores como grau de urbanização e cobertura vegetal também não influenciaram os níveis de contaminação.
“As áreas protegidas estudadas, por serem de uso sustentável, permitem atividades humanas que favorecem o descarte inadequado de resíduos, com um plano de gerenciamento de resíduos genérico. Isso compromete a função de conservação dessas unidades”, destaca Danilo Freitas Rangel, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Ecologia Marinha e Costeira e autor principal do artigo.
Propostas e caminhos para mitigação
O estudo reforça a urgência da implementação de planos efetivos de gestão de resíduos nas APAs brasileiras, que atualmente carecem de ações concretas para lidar com o problema. A pesquisa sugere medidas como:
- Instalação de infraestrutura adequada para descarte de lixo;
- Campanhas educativas para visitantes e moradores;
- Parcerias com escolas e empresas locais para ações de reciclagem;
- Monitoramento contínuo com tecnologias de baixo custo, como fotografia de ninhos à distância.
A equipe também propõe o uso do comportamento de nidificação das aves como indicador ambiental acessível, especialmente para diagnósticos em áreas com poucos recursos de monitoramento.