Insegurança alimentar atinge 12,5% da população em São Paulo, aponta estudo da Unifesp
Inquérito conduzido por docentes da Unifesp revela disparidades socioeconômicas e destaca a vulnerabilidade das mulheres e população negra nas áreas periféricas da cidade
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O I Inquérito sobre a Situação Alimentar do Município de São Paulo, liderado pelos(as) professores(as) Daniel Bandoni e Luciana Y. Tomita, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com o professor José Raimundo Sousa Ribeiro Junior, da UFABC, revela dados alarmantes sobre a fome e a insegurança alimentar na capital paulista. O estudo, conduzido entre maio e julho de 2024, traz um diagnóstico abrangente e expõe desigualdades que afetam diferentes grupos populacionais, especialmente nas periferias da cidade.
Segundo o levantamento, aproximadamente 1,4 milhão de pessoas (12,5% da população) vivem em domicílios onde foi constatada insegurança alimentar grave ou situação de fome, caracterizada pela ruptura nos padrões de alimentação por falta de recursos financeiros. Outras 1,5 milhões (13,5%) estão em insegurança alimentar moderada, com redução da quantidade de alimentos, e cerca de 2,8 milhões (24,5%) enfrentam insegurança leve, com incerteza ou preocupação constante em relação ao acesso futuro a alimentos.
A professora Luciana Tomita destaca a gravidade da situação: "Esses dados revelam que mais da metade da população paulistana convive com a insegurança alimentar, desde a preocupação com a próxima refeição até a situação de fome, especialmente nas áreas mais vulneráveis da cidade. A insegurança alimentar grave, em particular, reflete a insuficiência de políticas públicas para garantir o direito humano à alimentação adequada".
Desigualdades socioespaciais e grupos mais afetados
O inquérito sobre a situação alimentar revela que 72% das pessoas vivendo em insegurança alimentar grave estão concentradas nas periferias da cidade, como as regiões “Leste 2” e “Sul 2”, que abrigam, respectivamente, 446 mil e 297 mil pessoas nessas condições. No entanto, mesmo áreas mais centrais, como "Oeste 1" e "Sul 1", registram um contingente significativo de moradores(as) afetados(as), totalizando 185 mil pessoas.
As desigualdades de gênero e raça também emergem como fatores determinantes para a insegurança alimentar. Quando a pessoa de referência no domicílio é mulher, a ocorrência de insegurança alimentar grave é 1,8 vezes maior do que nos domicílios liderados por homens. A disparidade é ainda maior quando se considera a cor da pele: domicílios liderados por pessoas pretas têm 60,7% de insegurança alimentar, contra 44,3% nos liderados por pessoas brancas. A combinação de gênero e raça agrava o cenário: em lares com mulheres pretas à frente, a proporção de insegurança alimentar grave é 2,1 vezes maior do que em lares liderados por homens brancos.
Políticas públicas e acesso insuficiente aos programas sociais
O estudo aponta que os auxílios sociais disponíveis, como o Bolsa Família, o auxílio-gás e ações de doação de alimentos não têm sido suficientes para alcançar os domicílios em insegurança alimentar moderada e grave. Além disso, observa-se que muitos desses lares dependem de empregos precários, como trabalho doméstico informal ou temporário, e enfrentam dificuldades econômicas que agravam sua vulnerabilidade alimentar.
"A pesquisa indica que as ações assistenciais precisam ser ampliadas para atender de maneira mais eficaz esses grupos. É fundamental fortalecer as redes de assistência e garantir que programas como restaurantes populares, cozinhas solidárias e banco de alimentos sejam acessíveis àqueles(as) que mais precisam", ressalta a professora.
A pesquisa avaliou a frequência de consumo de determinados alimentos como arroz, feijão, verduras e legumes, leite e derivados, carnes, frios e embutidos, refrigerante e suco artificial, bolacha doce e salgados, salgadinhos; macarrão instantâneo e lanches como refeição. A frequência semanal de consumo de arroz em mais de cinco vezes na semana foi 90,7% dos domicílios e o feijão 77%. Mas, entre os domicílios em situação de fome, a frequência foi menor, 82,8% reportaram consumir arroz e 70,0% feijão mais de cinco vezes na semana. A desigualdade no consumo de verduras, legumes e frutas também foi observada, sendo menos frequente entre os domicílios com restrição alimentar. Enquanto 55,2% dos domicílios em segurança alimentar consumiram verduras e legumes mais de cinco dias da semana, os domicílios em insegurança alimentar reportaram frequência de consumo cada vez menor, chegando a 21,5% entre aqueles domicílios em situação de fome. O mesmo foi observado para o consumo de frutas: seguros (52,1%), insegurança leve (35,1%), moderada (22,9%) e grave (20,9%). Enquanto que 74,7% dos domicílios em segurança consumiram carnes mais de cinco dias na semana, aqueles em insegurança moderada e grave consumiram, respectivamente, 50,6% e 34,2%.
A insegurança alimentar impacta diretamente a saúde e o bem-estar das famílias, especialmente das crianças e adolescentes que vivem nesses lares. Segundo o levantamento, a privação de alimentos não se restringe aos adultos, afetando também os membros mais jovens das famílias. Esse cenário exige ações integradas que envolvam diferentes setores da sociedade para garantir o direito à alimentação adequada e melhorar as condições de vida das populações mais vulneráveis.
O I Inquérito sobre a Situação Alimentar do Município de São Paulo evidencia a urgência de ações mais abrangentes e eficazes para combater a fome e garantir o acesso regular a alimentos para toda a população. A contribuição da Unifesp para esse diagnóstico é um passo importante para orientar políticas públicas voltadas à segurança alimentar e à redução das desigualdades sociais.
Com dados que expõem as desigualdades socioeconômicas e regionais da cidade, o estudo reforça a importância de um esforço coletivo para garantir que o direito humano à alimentação seja efetivamente assegurado, promovendo a saúde e o bem-estar de todos(as) os(as) cidadãos(ãs) paulistanos(as).