Unifesp lança Projeto EnfrentAção em parceria com o Movimento Independente Mães de Maio
O projeto visa garantir o acesso à justiça, à memória e à reparação a familiares de vítimas da violência de Estado
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Participantes do projeto EnfrentAção no auditório térreo da Reitoria da Unifesp
Nesta quarta-feira (07/05), das 10h às 13h, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) realizou o lançamento oficial do projeto EnfrentAção - Pesquisa e Intervenção Multiprofissional a partir da escuta de mães e familiares de vítimas da violência de Estado. O evento ocorreu no auditório Prof.ª Dr.ª Ieda Maria Longo Maugeri, na Reitoria da Unifesp, e contou com transmissão pelo canal da Proec/Unifesp no YouTube.
Público no lançamento oficial do projeto EnfrentAção
Resultado da parceria entre a Unifesp, por meio do Centro de Arqueologia e Antropologia Forense (CAAF/Unifesp), o Movimento Independente Mães de Maio e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (SAJU/MJ), o projeto visa garantir o acesso à justiça, à memória e à reparação simbólica e social a familiares de vítimas da violência policial. A ação envolve escuta qualificada, apoio multiprofissional e produção de conhecimento a partir da vivência de até 150 mulheres em cinco estados brasileiros: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Ceará.
O projeto parte de dados sobre os Crimes de Maio de 2006, quando mais de 500 pessoas foram executadas em São Paulo por ações policiais e grupos de extermínio. A partir desses eventos, surgiu o Movimento Independente Mães de Maio, formado por familiares das vítimas em busca de verdade e justiça.
Faixa do Movimento Independente Mães de Maio
No início do evento, o deputado estadual Eduardo Suplicy foi convidado à tribuna para proferir sua fala. “É com enorme prazer e emoção que venho participar do evento. Quero expressar minha admiração ao trabalho do CAAF por colocar em prática um movimento tão urgente e transformador, com o real compromisso de reparação histórica e com a escuta de tantas vozes que foram silenciadas e até criminalizadas. O Brasil tem uma dívida incomensurável com as mães que perderam seus filhos para a violência estatal. Essas mães transformam o seu luto em luta. O projeto EnfrentAção reconhece essas mães como protagonistas de uma nova forma de fazer política pública no país”, afirmou.
Deputado estadual Eduardo Suplicy
A mesa de abertura do evento contou com a presença da reitora da Unifesp e coordenadora científica do projeto EnfrentAção, Raiane Assumpção, do coordenador geral do projeto EnfrentAção, Dan Levy, da coordenadora do Movimento Independente Mães de Maio e supervisora executiva e pedagógica do Projeto EnfrentAção, a pesquisadora social Débora Maria da Silva, da secretária nacional de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (SAJU/MJ), Sheila de Carvalho, do coordenador do Centro de Arqueologia e Antropologia Forense (CAAF/Unifesp), Edson Teles, da coordenadora auxiliar da Rede Apoia, ligada ao Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Andrea Castilho Barreto, e da deputada estadual Paula Nunes. A mestre de cerimônia do evento foi Margareth Teles, tia de vítima integrante do Movimento Independente Mães de Maio.
Mesa de abertura do evento
Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Independente Mães de Maio, ressaltou a importância da luta conjunta de todas as mães. “Foi uma luta muito árdua, que, desde 2007, vem procurando profissionais capacitados para cuidar das mulheres. O luto é uma dor invisível, especialmente vindo de favelas. O Massacre de Maio de 2006 jamais pode ser esquecido. Essas mulheres precisam ter direito à fala, precisam ser ouvidas. Só nós conseguimos contar nossa história, temos o direito de ser protagonistas. Precisamos de reparação, memória e justiça. Não aceitamos que nossos filhos morram como suspeitos. Ressalto a coragem da produção do conhecimento pioneira pelo CAAF, que veio como uma solução para todos nós. Precisamos de ajuda para parir um país menos fascista e menos racista. A teoria junto com a prática caminha para um país mais igualitário para sempre”, destacou.
Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Independente Mães de Maio
O coordenador geral do projeto EnfrentAção, Dan Levy, falou sobre as características singulares do projeto. “A relevância deste projeto está na necessidade de compreensão do luto e do adoecimento dessas mães e familiares, além de identificar significados e consequências do sofrimento ocasionado pela dor da perda provocada pela violência e negligência do Estado. Esse projeto simboliza também um enfrentamento aos impactos da violência policial estatal na vida dessas mães a partir da intersecção de classe, raça e gênero. A metodologia adotada se baseia no processo de pesquisa-ação, a fim de investigar experiências de acolhimento no intuito de contribuir com a elaboração de uma política pública de enfrentamento aos impactos da violência estatal. Para além de um evento de lançamento, este momento representa uma união, uma confluência de resistências”, pontuou.
Dan Levy, coordenador geral do projeto EnfrentAção
O coordenador do Centro de Arqueologia e Antropologia Forense (CAAF/Unifesp), Edson Teles, discorreu sobre o papel do centro no projeto. “As mães são as primeiras antropólogas forenses dos casos que analisamos. São as mães que iniciam a investigação, são elas que têm a competência e o saber para nos indicar os melhores caminhos, as melhores escolhas éticas e científicas. Trabalhamos no CAAF com um tripé horizontal: reunir o conhecimento científico da universidade junto com os saberes dos movimentos organizados da sociedade civil, culminando na produção de uma contranarrativa sobre o que o Estado brasileiro tem feito com as populações periféricas. Buscamos também produzir políticas públicas, ações diretas, como é o caso desse projeto em que produzimos uma intervenção no sentido de dar escuta para essas mães e familiares”, afirmou.
Edson Teles, coordenador do Centro de Arqueologia e Antropologia Forense (CAAF/Unifesp)
Andréa Castilho Barreto, coordenadora auxiliar da Rede Apoia, ligada ao Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos, saudou os presentes, em especial às mães. “Muitas dessas mães são atendidas na Defensoria Pública. Aprendemos muito com elas todos os dias, com a sua luta e resiliência, é um grande aprendizado para nós. A principal questão que a Defensoria levou ao governo federal foi a ausência de políticas públicas específicas para essas famílias, especialmente de saúde, assistência social e preservação da memória das vítimas. Políticas essas que podem auxiliar na forma com que as famílias lidam com seu luto e também para que tenham algum tipo de reparação. Acreditamos que o projeto EnfrentAção, com a participação das mães, vai contribuir de uma forma significativa para a formulação dessas políticas públicas nacionais para essas famílias”, destacou.
Andréa Castilho Barreto, coordenadora auxiliar da Rede Apoia
A deputada estadual Paula Nunes destacou os pontos centrais do projeto na sua visão. “O primeiro ponto é que a existência desse projeto mostra que existe um reconhecimento, fruto de muita luta por parte do governo federal, de que a violência de Estado é uma realidade. Por isso, são necessárias políticas públicas para combatê-la. O segundo ponto é o fato de que existe nessas mães uma solidariedade. São mães que lutam de forma incansável para que outras mães nunca vivam o que elas viveram. O terceiro ponto é o reconhecimento das mães como reais pesquisadoras. ‘Nada sobre nós, sem nós’, isso é fundamental. Chega de ver as mães de familiares de vítimas como objeto de pesquisa. Vocês são as primeiras antropólogas, as primeiras investigadoras, são vocês que conseguem levar adiante a efetiva justiça. É fundamental que a academia reconheça as mães como pesquisadoras reais”, pontuou. No final da sua fala, a deputada entregou o prêmio Zumbi dos Palmares da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo à Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Independente Mães de Maio.
Deputada estadual Paula Nunes
A reitora da Unifesp e coordenadora científica do projeto EnfrentAção, Raiane Assumpção, destacou a importância do projeto. “Esse projeto é de pesquisa-ação, isto é, ele tem o objetivo de produzir conhecimento e, ao mesmo tempo, provocar ações que possam gerar transformações. É fruto de uma caminhada da Unifesp junto com o Movimento Mães de Maio. Nossa caminhada começa já há algumas décadas, justamente no momento em que o movimento social coloca para a universidade o desafio de produzir um conhecimento que pudesse subsidiar a luta dos familiares de vítimas de violência de Estado. Essas mães nos falaram que precisavam da evidência científica para que a sua fala existisse, para que tivesse materialidade. Havia também uma queixa do processo como a universidade produz conhecimento: as pessoas não voltam com os resultados da pesquisa para que a gente possa usar como referência no nosso processo de luta. Então, desde o início, colocamos em diálogo o conhecimento científico com essa experiência tão dolorosa das mães. Nossa expectativa com esse projeto é que tenhamos, no final, um protocolo de atendimento, de reparação e de proposição de políticas públicas. Enquanto universidade, esse projeto nos coloca em outro patamar de conhecimento científico. Ele tem materialidade, porque é reconhecido pelos sujeitos que requerem da ciência uma resposta. Uma universidade só é socialmente referenciada se a sociedade diz que ela é”, destacou. Por fim, Raiane entregou o certificado de reconhecimento à Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Independente Mães de Maio, enquanto parceira da Unifesp nos seus 30 anos de existência.
Raiane Assumpção, reitora da Unifesp e coordenadora científica do projeto EnfrentAção
Sheila de Carvalho, secretária nacional de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (SAJU/MJ), falou da relevância da construção de políticas de cidadania. “É fundamental trazer esse lugar da memória e da proteção de direitos como central em nossas preocupações e buscar produzir políticas públicas voltadas para isso. Quando se fala de violência policial, temos uma discussão ainda muito ampla a fazer na nossa sociedade. A criação da secretaria nacional se deu pensando na democratização do sistema de justiça. Fazemos essa construção em diálogo com movimentos da sociedade civil, com pessoas que querem pautar a transformação desse sistema de justiça. Parte da nossa missão é dar visibilidade para essa luta por direito à memória, à proteção dos direitos humanos e à dignidade. Acredito que a partir desse acúmulo de conhecimento, que só as mães têm, é que vamos conseguir criar uma política pública. A escolha da Unifesp para ser mantenedora desse projeto não é aleatória. É uma universidade com a qual temos muita parceria, é um locus de referência”, pontuou.
Sheila de Carvalho, secretária nacional de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (SAJU/MJ)
Na sequência, a pesquisadora Valéria de Oliveira, supervisora executiva e pedagógica do projeto EnfrentAção, fez a apresentação do projeto de pesquisa. Em seguida, a apresentação do projeto de intervenção ficou a cargo da pesquisadora Aline Rocco, supervisora executiva e pedagógica do projeto EnfrentAção. A pesquisadora e integrante da equipe de comunicação do projeto, Silvana Martins, ficou responsável pela apresentação da identidade visual.
Valéria de Oliveira, Aline Rocco e Silvana Martins na apresentação do projeto EnfrentAção
Por fim, foi realizada a mesa Mães Pesquisadoras Sociais, com a presença de Sandra de Jesus Barbosa da Silva (Referência – SP/Capital), Maria Sônia Lins (Referência – SP/Baixada Santista), Nivia do Carmo Raposo (Referência – RJ), Ana Paula Nunes de Oliveira (Referência – MG), Rute Silva Santos (Referência – BA) e Edna Carla Souza Cavalcante (Referência – CE).
Mesa Mães Pesquisadoras Sociais com a presença das mães de referência
Fotos: Alex Reipert (DCI/Unifesp)