Violência urbana e sedentarismo: estudo da UFG e da Unifesp mostra como o medo afasta brasileiros(as) da prática de atividade física
Pesquisadores(as) destacam que a criminalidade nas cidades deve ser considerada um determinante social da saúde e reforçam a urgência de políticas públicas que integrem segurança e promoção da saúde
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Em um país onde 59,5% da população não atinge os níveis mínimos de atividade física recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o medo da violência urbana surge como um dos principais fatores que afastam os(as) brasileiros(as) da prática regular de exercícios físicos. É o que aponta um estudo conduzido por pesquisadores(as) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado no Journal of Physical Activity and Health. O artigo chama a atenção para o impacto direto da insegurança na saúde da população, especialmente em áreas urbanas periféricas e com menor infraestrutura.
De acordo com os(as) autores(as), a violência urbana – marcada por altos índices de criminalidade, assaltos e sensação constante de ameaça – se tornou uma barreira concreta para a prática de atividades ao ar livre, como caminhadas, corridas e uso de equipamentos públicos. A questão afeta especialmente mulheres, idosos e pessoas de baixa renda, que vivem em bairros com pouca iluminação, calçadas precárias e quase nenhuma presença de policiamento ostensivo. “O ambiente em que as pessoas vivem molda suas escolhas e comportamentos. Quando não há sensação de segurança, dificilmente haverá estímulo para sair de casa para praticar exercícios”, explica a professora Marília Andrade, do Departamento de Fisiologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (EPM/Unifesp) - Campus São Paulo, e uma das autoras do estudo.
Dados do IBGE (Pesquisa Nacional de Saúde 2019) mostram que o sedentarismo é ainda mais presente entre mulheres (63,3%) e entre a população com menos escolaridade e renda. A relação entre violência e inatividade física, no entanto, ainda é pouco explorada por políticas públicas no Brasil. Os pesquisadores destacam que a segurança pública raramente é considerada como fator relacionado à promoção da saúde, embora existam evidências crescentes dessa conexão.
O estudo revisa uma série de pesquisas nacionais e internacionais que apontam a correlação entre a percepção de insegurança e a menor prática de exercícios físicos. Em bairros considerados violentos, os níveis de atividade física costumam ser até 40% mais baixos, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Em São Paulo, por exemplo, bairros como Capão Redondo, Cidade Tiradentes e Jardim Ângela registram altos índices de criminalidade e, ao mesmo tempo, os menores índices de atividade física entre seus moradores, segundo levantamento da Prefeitura de São Paulo e da Secretaria Municipal de Saúde.
A pesquisa destaca ainda casos recentes de violência em grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde frequentadores de parques e ciclovias foram vítimas de assaltos ou agressões. Esses episódios reforçam o medo da população e criam uma percepção de risco permanente, mesmo em locais destinados ao lazer e ao bem-estar. “Precisamos pensar a promoção da saúde de forma integrada. Não basta apenas construir ciclovias ou instalar equipamentos de ginástica em praças se a população não se sente segura para utilizá-los”, aponta Marília Andrade.
Outro ponto levantado pelo estudo é o papel desigual da violência sobre diferentes grupos sociais. Mulheres e idosos, por exemplo, são mais propensos a relatar medo de sair às ruas e, por isso, tendem a ser mais sedentários. A desigualdade racial também se faz presente: moradores negros e periféricos relatam níveis mais altos de preocupação com a violência e enfrentam maiores dificuldades de acesso a espaços seguros para a prática de atividades físicas.
Diante desse cenário, os autores defendem que a violência urbana seja reconhecida como um determinante social da saúde, conceito usado pela OMS para designar os fatores estruturais que influenciam a saúde das populações. Isso significa que políticas públicas voltadas à atividade física e à qualidade de vida devem considerar também o combate à violência e à desigualdade territorial como estratégias de promoção da saúde.
A pesquisa reforça que a solução para o sedentarismo não pode ser apenas individual. Investimentos em segurança, iluminação pública, mobilidade urbana, equipamentos esportivos comunitários e presença do poder público em regiões vulneráveis são fundamentais para que o exercício físico se torne uma opção real e acessível. “Tratar a violência como obstáculo à saúde nos obriga a adotar uma abordagem mais ampla, voltada para a justiça social. Cidades mais seguras são cidades mais saudáveis”, conclui Marília.