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Moedas digitais ganham espaço e abrem discussões sobre ética, legislação e autonomia tecnológica

Escrito por Juliana Mastrullo e Rosangela Martins
A imagem mostra uma pilha de moedas físicas representando criptomoedas, com destaque para o Bitcoin. As moedas são metálicas, com acabamento dourado e prateado, e exibem gravações detalhadas, incluindo símbolos, circuitos e elementos arquitetônicos estilizados, comuns em representações visuais de moedas digitais. O foco da imagem está nas texturas e no brilho metálico, com o fundo desfocado, provavelmente simulando uma nota de dinheiro tradicional. A imagem transmite uma ideia de valor e tecnologia associada ao universo das criptomoedas.
(Imagem ilustrativa)

Em novembro de 2024, um debate sobre o escaneamento de íris tomou conta do país. A  polêmica girou em torno da utilização da câmera Orb, criada pela Tools for Humanity, para a coleta de fotos do rosto e olhos das pessoas, com o objetivo de verificar a condição humana em um contexto do avanço da inteligência artificial (IA).

“A ideia era coletar dados de íris para treinar alguns algoritmos de IA que vão ter aplicações incríveis no futuro usando a biometria, capazes de fazer reconhecimento. Então eles precisavam de uma base grande de íris e de algum jeito coletar esses dados”, explica Arlindo F. da Conceição, docente das áreas de Ciência da Computação e Sistemas de Informação do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT/Unifesp) - Campus São José dos Campos. Em troca do escaneamento da íris, as pessoas recebiam criptomoedas criadas pela própria empresa que está à frente desse projeto. Estima-se que mais de 400 mil pessoas no Brasil se cadastraram nessa ação. “A empresa criou um volume de criptomoedas que, no início, não tinha valor real nenhum. A cada escaneamento da íris, você recebia uma unidade. Com isso, as pessoas apostaram naquela criptomoeda e ela passou a ter valor”, explica Conceição. 

No entanto, o especialista pede cautela às pessoas quanto à exposição. “É preciso tomar muito cuidado com a privacidade dos seus dados. Um dado biométrico é muito sensível. A empresa se comprometeu em não vazar esses dados, mas você está confiando em uma empresa sujeita à falha humana”. Ele complementa: “Do ponto de vista ético, entendo que a empresa em si não cometeu nenhuma falha. Ela ofereceu um produto e a pessoa comprou”.

Se você quiser saber mais sobre criptomoedas, escute a entrevista com Arlindo F. da Conceição, no PodSerCiência.

Criptomoedas: como funcionam e por que se valorizam

Mas afinal, o que são essas moedas digitais que movem bilhões e despertam tanto interesse? “A criptomoeda é basicamente um código de software que eu consigo trocar, vender, e é totalmente digital. Então eu tenho um pedacinho de software em uma carteira digital – hoje em dia, normalmente, a gente guarda no celular que roda os algoritmos de carteira. Cada pessoa tem o seu controle sobre o software que é a carteira, e tem uma senha para acessá-la, e com ele eu consigo manipular as criptomoedas”, resume Conceição.

Diferente do Pix, por exemplo, que depende da estrutura dos bancos, as criptomoedas transferem a confiança para a tecnologia. E o segredo está no blockchain, um tipo de corrente de dados à prova de fraude. “O blockchain tem um conjunto de algoritmos e mecanismos de segurança colocados juntos que permitem não precisar confiar nas pessoas que estão em uma instituição, assim te permite ficar livre de falha humana.”

Além das criptomoedas, o blockchain já está presente em várias aplicações, como explica Conceição: “Registros de dados mais seguros, organização de cadeias de produção, interoperabilidade entre sistemas, tem uma série de aplicações que se baseiam nessa camada de segurança e confiança que o blockchain oferece. Várias instituições financeiras já usam o blockchain. As transações entre bancos e entre instituições internacionais, em geral, já são baseadas nessa tecnologia.”

Valorização, escassez e o atrativo do investimento

A última moeda de Bitcoin está prevista para ser minerada no ano de 2140 – a mineração está relacionada à criação de novas moedas e ao processo de validação e transação no blockchain – e seu valor de mercado segue crescendo. Conceição explica a diminuição gradativa na geração da moeda. “A cada quatro anos o Bitcoin tem uma adaptação chamada de Halving. Quando você resolvia o problema matemático da mineração, você ganhava 50 bitcoins. Isso vai sendo dividido por dois a cada quatro anos. Então passou para 25, 12, seis e alguma coisa, e vai dividindo, dividindo, dividindo.” 

Essa escassez aumenta o valor do ativo. Em 11 de junho de 2025, ao acessar a cotação de um bitcoin, seu valor ultrapassava 606 mil reais. Mas isso não significa que só se possa usá-lo inteiro.  “Você pode usar pequenas frações do bitcoin. Por exemplo, se eu tenho na minha carteira um bitcoin, então eu posso usar 0,01 bitcoins e pagar alguma coisa, e fico com 0,99 na minha carteira.”

Segundo a pesquisa Raio X do Investidor Brasileiro, feita pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), em parceria com o Datafolha, as intenções de investimento em moedas digitais pelos(as) brasileiros(as) neste ano vem crescendo, especialmente entre os(as) mais jovens. Segundo os(as) entrevistados(as), 5% têm a intenção de investir nesse setor.

Conceição explica as vantagens desse tipo de moeda. “Você pode carregar onde estiver. Ela é fácil de acessar. Entre as criptomoedas principais, consigo usar em qualquer lugar do mundo, então não tem fronteira.” E os bancos não ignoram esse movimento: “Vários bancos já integram criptomoedas nas suas carteiras de investimento, permitindo que o cliente compre”.

Apesar dessas vantagens no uso da criptomoeda, ele aponta também alguns fatores de atenção. “Tem que saber usar. Não pode perder a senha, precisa ter em conta que está sujeito às variações do mercado. Como é um mercado muito volátil, de vez em quando, tem quedas muito bruscas e a pessoa perde dinheiro.”

Mas nem todas as moedas criadas têm a intenção inicial de servirem para investimento. É o caso das meme coins, àquelas criadas inspiradas em memes ou personagens. “Tem gente que se diverte dizendo que comprou um determinado meme. E é interessante, porque essa brincadeira gera demanda e acaba tendo inclusive um ganho”, explica o docente.

Privacidade, anonimato e combate ao crime

Uma característica é que a tecnologia usada nas criptomoedas, o blockchain, garante ao(à) investidor(a) um maior anonimato, já que os dados são mais difíceis de serem rastreados. “Você é bastante anônimo ao usar criptomoedas. As transações são identificadas por códigos, e não nomes. Mas, dependendo da tecnologia, ainda é possível rastrear”, alerta. Tecnologias mais recentes trazem níveis mais avançados de criptografia.

Apesar da preocupação em relação a crimes que possam ser cometidos por conta desse anonimato, ele ressalta o avanço tecnológico das entidades que trabalham no combate a esses crimes. “A Polícia Federal vai ter gente trabalhando nisso e usando mecanismos para tentar rastrear esses mercados. Conforme o crime avança, os responsáveis por deter a atividade criminosa também correm atrás dessas tecnologias.”

E a regulamentação?

No Brasil, ainda não há uma regulamentação para os criptoativos. O Banco Central é o responsável por esse encaminhamento e já apresentou duas consultas públicas sobre o tema. “A regulação traz sempre a ideia de que você está sendo controlado e cerceado, mas a estabilidade econômica precisa de mecanismos de controle”, aponta Conceição. Mas ele levanta alguns pontos sobre a dificuldade nessa criação: “Com as criptomoedas é um pouco mais difícil essa regulamentação porque muitas das operações são anônimas e é difícil você localizar quem está fazendo alguma coisa. Tem também esse aspecto de ser global: eu posso fazer o download aqui de uma criptomoeda lançada por Cingapura e é difícil rastrear. Não é uma regulação fácil, mas tem vários grupos de trabalho pensando nisso”.

A legalização de uma criptomoeda como meio oficial de pagamento em um país também é um cenário possível: “Uma vez criado e estabilizado, o comércio deve ser obrigado a aceitar essa alteração. Vai ter uma dificuldade inicial, mas acho que não é um problema”.

Moedas digitais e as operações financeiras

Atualmente, no Brasil, está em andamento o Drex, que é a moeda brasileira em formato digital, operada pelo Banco Central. Porém, Conceição explica que nem todas as moedas digitais são criptomoedas. “O Drex está baseado na tecnologia de criptomoedas, mas eu não o categorizo como criptomoeda porque é controlado pelo Banco Central. Ele é uma  Central Bank Digital Currency (CBDC).”

Por enquanto, não há data de lançamento, pois está em fase de testes, mas Conceição vê essa digitalização das operações financeiras de uma forma positiva. “A economia de um país fica mais eficiente, além de permitir algumas automações. Supondo que a gente vai ter o Drex baseado nas mais modernas tecnologias e que eu vou ter serviços mais automatizados, então tem um ganho de eficiência na economia que deveria motivar os países a fazer isso. O mundo está andando a passos largos, a gente não pode perder esse trem.” 

Outro exemplo de moedas digitais são as city coins, que são retribuições por algum ato de cidadania realizado. “Não é exatamente criptomoeda, mas é uma forma de organizar serviços dentro de uma comunidade. Você pode ganhar tokens digitais por boas práticas, como uma coleta de lixo eficiente”, diz Conceição.

Criptomoedas e Inteligência artificial: o futuro já chegou 

O episódio da Orb, mencionado logo no início desta reportagem, pode ter sido apenas um prenúncio do que está por vir. Para Conceição, a integração entre criptomoedas e inteligência artificial será inevitável – embora em formatos distintos do que se viu em 2024. “Eu não acredito que a inteligência artificial será usada de forma muito autônoma no sentido de ter uma criptomoeda gerida por IA, mas a integração deve acontecer rapidamente.” Ele sugere um dos cenários possíveis para isso. “Imagina que você tem uma geladeira inteligente que monitora as coisas que estão lá dentro e, quando percebe que algum produto está acabando, você consiga integrar uma inteligência artificial para disparar um processo de compra: acessar sua carteira e fazer pagamentos de forma automática.”

Em um mundo onde a tecnologia avança mais rápido que a legislação, a pergunta não é apenas qual será a moeda do futuro, mas quem será a moeda. Dados, biometria, comportamento e privacidade já se tornaram ativos de valor. A atenção crítica e o conhecimento sobre essas ferramentas são, hoje, as moedas de troca mais valiosas para navegar com segurança nesse mundo digital.

 

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